quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Na superação do Racismo

Kits pedagógicos foram entregues a duas escolas têm o objetivo de auxiliar na efetivação da Lei 10.639

Por Fernanda Quevedo

Apresentação do vídeo Institucional da CUFA e o Projeto Pixaim nas Escolas no Auditório da SEDUC-MT

O olhar da menina negra e gordinha, sentada na primeira fila na sala de aula se modifica. Pelo seu aspecto ela está pensativa. Pensa sobre o tema que está sendo discutido: por que afinal, as pessoas acostumaram a chamar o cabelo crespo de cabelo ruim?

Estamos na sala de aula da 8ª série da escola estadual Manoel Corrêa de Almeida, em Várzea Grande, uma das instituições de ensino que participaram do Projeto Pixaim nas Escolas, uma ação coordenada pela Central Única das Favelas de Mato Grosso (CUFA-MT). O Projeto realiza atividades de Roda de Leitura durante as aulas de Língua Portuguesa, História e Artes, e oficinas de tranças e bonecas negras aos finais de semana. No centro das discussões, a estética negra.

Todos atentos a apresentação

"Quando você ri de uma pessoa negra do cabelo crespo, faz ela se sentir mais pra baixo ainda", diz uma aluna. "Ela já não é feliz em ser como ela é e ainda acha uma pessoa pra botar ela mais pra baixo", completa outra aluna.

Interessante notar que a primeira aluna tem a pele mais clara, o cabelo liso e pintado de loiro, enquanto a segunda é negra e ostenta um cabelo crespo esticado com alisante. Um símbolo de que o tema toca tanto os negros quanto os não negros. E este é um dos objetivos da atividade em sala de aula, explica uma das coordenadoras do Projeto Pixaim nas Escolas, Neusa Baptista. "No Pixaim tratamos da discriminação racial, pois ela existe e causa danos imensos à população negra. Mas mais do que isso, trata-se da História do País, esta História maquiada, deturpada e incompleta que aprendemos na escola. Esta História precisa ser ‘recontada’".

Espaço de interação das escolas e projetos

Segundo dados do MEC, o Brasil está em segundo lugar no que diz respeito a grandes populações afro-descendentes (47%), perdendo apenas para a Nigéria. No Projeto Pixaim nas Escolas, o ponto de partida para ‘recontar’ a história desta população negra é a Roda de Leitura. O primeiro passo é falar sobre o momento atual, onde a pressão para se alcançar a beleza a qualquer custo atinge quem é negro e quem não é. Um método construído pela própria CUFA, que começa questionando por que os ídolos da cultura pop admirados pelos adolescentes são em sua maioria brancos e de cabelo liso. "Levamos o aluno a questionar por que ‘compramos’ um modelo de beleza que não é plural, que não nos representa. Ou seja, todos, negros ou não, estão inclusos na discussão", comenta Karina Santiago, coordenadora de Projetos da CUFA-MT.

Partindo daí, inicia-se um bate-papo sério, mas regado a vídeos engraçados, sites e blogs interessantes, revistas e vivências diferentes. Numa delas, os alunos modificam a aparência de fotos de revistas, riscando, colando e deixando a imaginação trabalhar. Uma forma de vivenciar que as imagens não são intocadas e, assim como elas recebem um tratamento com programas de computador como o Photoshop antes de ir para a revista, o inverso também pode acontecer. A Roda de Leitura encerra-se com o uso do kit pedagógico Pixaim, desenvolvido pela CUFA-MT e que traz o livro "Cabelo Ruim?" e bonecas de pano representando as personagens Bia, Tatá e Ritinha, que na história do livro enfrentam preconceito por ter o cabelo crespo e serem negras.

Kit Pedagógico do Projeto Pixaim nas Escolas

Kits foram distribuídos aos alunos e professores participantes do Projeto, que em 2010 foi desenvolvido nas escolas Bela Vista, de Cuiabá, e Manoel Corrêa de Almeida, de Várzea Grande. Em 2011, mais quatro escolas estaduais serão contempladas.

Mão na massa

Aos finais de semana, o Projeto Pixaim nas Escolas oferece oficinas de bonecas negras e de tranças afro, na programação do Programa Escola Aberta. Ali, além dos alunos, pessoas da comunidade também participam. Entre uma trança e uma costura, as instrutoras do projeto, a estudante Tatiane Amorim e a assistente social Joana Sene, conversam sobre temas como a discriminação racial, relações de gênero e empreendedorismo. Tudo em forma de bate-papo. A dona de casa Josinei Maria da Silva, foi uma das alunas mais assíduas e já consegue fazer alguns penteados. "Achei boa a oficina, já fazia tranças, mas não desse jeito. Minha filha disse que iria ter a oficina aqui e eu vim para aprender", diz ela, ao lado da filha, que exibe um penteado de tranças feito por Josinei.

Espaço de divulgação do projeto

Na oficina de bonecas negras, a surpresa ficou por conta de dois meninos que se integraram à turma, sem preconceito. Os estudantes André e Gabriel não deram atenção às piadinhas dos colegas, que afirmavam que fazer bonecas não era ‘coisa de homem’. "Acho a oficina legal, divertida, ocupa mais a mente da gente do que ficar em casa", diz Gabriel, estudante da 6ª série. Ele e André fabricaram os dois únicos bonecos da turma, que foram vestidos com roupas específicas para garotos.

Ensinar a graça e a leveza do artesanato em tão pouco tempo foi um dos desafios do Projeto Pixaim nas Escolas, explica Neusa Baptista. Segundo ela, a intenção é estimular nos participantes uma visão diferenciada do que seja beleza por meio do aprendizado e da construção da boneca negra em contraposição às bonecas tradicionais, geralmente brancas e de cabelos lisos. "A intenção principal é discutir padrões de beleza, estimular o aluno a construir isso, saber que é capaz de ter uma boneca com a sua cara. Isso é muito positivo".A coordenadora da Escola Bela Vista, Eliane, enfatizou a satisfação de receber as ações do projeto.

Exposição de trabalhos de alunos no evento

Kits em mãos

Ao todo, 171 kits foram doados à escola Manoel Corrêa de Almeida e 248 à escola Bela Vista. A entrega aconteceu na última sexta-feira (10) durante a II Mostra do Programa Escola Aberta de Mato Grosso, na Secretaria de Estado de Educação (Seduc-MT), com a participação de 60 escolas integrantes do Projeto. Elas levaram para lá alguns resultados das oficinas do Programa.Guilherme Costa, membro da equipe de Programas e Projetos Educacionais da Seduc, ressaltou a importância da ação para que se cumpra os preceitos da lei 10639/03. "Com a CUFA, conseguimos sedimentar ainda mais a discussão da lei, que veio para as nossas salas de aulapor meio do Projeto Pixaim . É um trabalho muito interessante e importante de sensibilização, em espacial das mulheres".

O público visitando o stand tirando fotos e dúvidas sobre a ação

Entre as atrações, alunos formados pelo Projeto Pixaim nas Escolas em tranças e bonecas, que mostraram um pouco do que aprenderam aos presentes, trançando várias cabeças. A iniciativa do Projeto Pixaim nas Escolas tem sido considerada uma ferramenta de estímulo à concretização da lei 10639/03, que obriga as escolas a incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" e a contribuição do negro para o desenvolvimento do País.

Tatiane Amorim (Instrutora de tranças) com alunas da E.E Manoel Corrêa que demonstraram o que aprenderam nas oficinas de trança

As bonecas, confeccionadas pela Cooperativa Dom e Arte, do município de Dom Aquino, não possuem rosto, e o cenário é preto e branco. "Cenário e bonecas serão trabalhados pelas crianças em sala de aula. O cenário será pintado e as bonecas terão o rosto que os alunos escolherem", explica Neusa Baptista.

A Secretária de Estado de Educação, Rosa Neide Sandes, elogiou a iniciativa do projeto, apontando seu valor educativo. "O Pixaim tem trazido resultados positivos. Temos alunas e alunos que se envergonhavam da sua própria origem e da sua identidade e hoje são felizes em ter cabelos diferentes , cor de pelo diferente, e saber trabalhar melhor seu corpo , gestos e entender sua origem, com arte. Isso tem sido muito importante. Pretendemos continuar com esse trabalho e expandir para mais redes, e através da CUFA, que a gente traga a origem da nossa sociedade e do povo brasileiro, discutindo dentro da escola, fazendo isso com grande alegria e de forma natural".

Da esquerda para a direita: Profª Rosa Neide (Secretária de Educação-MT),Neusa Baptista (CUFA-MT), Profª Eliane (Coord. E.E.Bela Vista) e Profª Maria Rosa (Dir. E.E Manoel Corrêa de Almeida)

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